4.5.11

Poema para o dia das Mães


Poema Cansado de Certos Momentos



Foi-se tudo

como areia fina escoada pelos dedos.

Mãe! aqui me tens,

metade de mim,

sem saber que metade me pertence.

Aqui me tens,

de gestos saqueados,

onde resta a saudade de ti

e do teu mundo de medos.

Meus braços, vê-os, estão gastos

de pedir luz

e de roubar distâncias.

Meus braços

cruzados

em cruz de calvário dos meus degredos.

Ai que isto de correr pela vida,

dissipando a riqueza que me deste,

de levar em cada beijo

a pureza que pariste e embalaste,

ai, mãe, só um louco ou um Messias

estendendo a face de justo



para os homens cuspirem o fel das veias,

só um louco, ou um poeta ou um Cristo

poderá beijar as rosas que os espinhos sangram

e, embora rasgado, beber o perfume

e continuar cantando.

Mãe! tu nunca previste

as geadas e os bichos

roendo os campos adubados

e o vizinho largando a fúria dos rebanhos

pela flor menina dos meus prados.

E assim, geraste-me despido

como as ervas,

e não olhaste os pegos nem as cobras,

verdes, viscosas, espreitando dos nichos.

De mão nua, entregaste-me ao destino.

Os anjos ficaram lá em cima, cobardes, ansiosos.

E sem elmos ou gibões,

nem lutei nem vivi:

fiquei quieto, absorto, em lágrimas

— e lá ao fundo esperavam-me valados

e chacais rancorosos.



Mãe! aqui me tens,

restos de mim.

Guarda-me contigo agora,

que és tu a minha justiça e o exílio

do perdido e do achado.

Guarda-me contigo agora

e adormece-me as feridas

com as guitarras do fado.



Mas caberá no teu regaço

o fantasma do perdido?



Fernando Namora, in "Mar de Sargaços"


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