24.9.11
Fiscalização
Imagem: theoneandonlystevemay)
Maré ruim, a do supersticioso Peixoto. Fiscal da prefeitura, perdera pela segunda vez uma promoção, a mulher o abandonara e, ainda por cima, fora escalado para um plantão justamente no dia em que reuniria os amigos para um churrasco.
A caminho do trabalho, viu na praça a barraca de uma artesã que vendia enfeites, cujo motivo eram galinhas confeccionadas em tecido pontilhado de branco. "Galinha carijó", pensou. Lembrou-se de ter ouvido algo a respeito de sorte associada àquele tipo de ave. Comprou logo dois exemplares do artesanato. Usaria ambos em casa - um na sala e outro no quarto.
No dia seguinte, já na repartição, o chefe anunciou batida para fiscalização nas barracas de ambulantes. Ele que se apressasse, pois a operação ia ser imediata.
- Não vamos dar moleza não, Peixotão! Pega pesado mesmo com essa cambada – recomendou o chefe.
- Deixa comigo, chefia! - tranquilizou um Peixoto seguríssimo. O chefe não sabia, mas o fiscal tomara suas precauções, reverenciando as galinhas de pano antes de sair de casa.
A um quarteirão de sua mesa de trabalho, Peixoto deu com o primeiro infrator. O homem vendia bugigangas contrabandeadas, não tinha nota fiscal, licença da prefeitura e nem recurso suficiente para 'abrandar' a fúria fiscalizatória do Peixoto.
- Duas vezes sonhei que fugia de um fiscal nesta semana.... - choramingou o homem.
- Pesadelo, meu amigo... - provocou o fiscal, enquanto preenchia o auto de infração.
- Pois é. Quem mandou levar fé numa galinha? - rebateu o camelô, desconsolado.
Peixoto reagiu como se tivesse levado um choque. Galinha? Ele ouvira bem o que o outro havia dito?
- Isso mesmo, seu fiscal: ga-li-nha. Me deu foi azar, essa carijó de pano que eu comprei na praça - disse o camelô apontando para o amuleto.
Depois de constatar que seus colegas estavam providencialmente distantes, Peixoto segredou ao pobre coitado que ele tivera sorte, sim, pois sua multa seria desconsiderada daquela vez. O gesto de 'generosidade' fora, no entanto, só estratégia: e se, desfavorecendo o outro, Peixoto atraísse também para si a má sorte?
O homem não entendeu nada, mas como sinal de reconhecimento, deu ao fiscal um badulaque qualquer dos que oferecia, mais a dica valiosa: ele também tivesse em casa um enfeite com galinhas carijó de pano.
De volta ao posto de trabalho, fez-se o balanço da operação e constatou-se que muita gente havia sido autuada e ficado sem a mercadoria. Inclusive a tal artesã, vendedora dos enfeites com galinha carijó.
Que, aliás, de artesã não tinha nada: tratava-se de um estelionatário travestido e procurado pela polícia por extorquir velhinhas de uma cooperativa.
Eduardo Lara Resende
Assinar:
Postar comentários (Atom)
0 comentários:
Postar um comentário